domingo, 14 de abril de 2013

Si us plau, parla´m en català!




Conheci-te lá, onde dizem que a luz é mais branca. Lá, onde o Tejo serve de pista aos cacilheiros e onde os guarda-freios nos levam a ver as estrelas. Lá, aí onde estás, é sempre sexta-feira.
Tenho saudades. Sempre tive. Não é de agora! Saudades tuas! Da minha mãe! Do Porto! Da escola secundária!
Sabes, tenho sempre saudades de alguma coisa! É a minha heroína!
 Como tu!

Quando estou à tua beira, ou ao pé de ti, o meu coração é  foguetes de S. João. Daqueles que são lançados à meia-noite e fazem pum-pum-pum sem parar. A cidade brilha toda, sabes!

Quando me vou embora de ti sou domingo à noite. Está sempre frio . Fico com frieiras e com olheiras!
Expiro para o vidro do comboio e escrevo o teu nome, mas só me vejo a mim, órfão de ti.

Tu acreditas em Jesus Cristo. Eu acredito em ti. E é assim que está bem.

Dizes que eu tenho sotaque. Que falo rápido. Que sou como o teu pai.

Não te digo nada. Fico a olhar-te só. Devia benzer-me sempre que te olho. É o que vou fazer. Repara: Em nome do Pai, do Espírito Santo, ámen e do filho!

 Desculpa, a sequência não é esta mas não importa! Deus, se existir, há-de perdoar-me. Para já perdoo-lhe eu a ele, por te ter feito mal aqui e ali. E acolá.

Mostras-me, com a tua lanterna, a grandeza que há em ser simples! És tão pequenina, és tão grande!

Outra coisa: quando me deito ao teu lado, no quentinho, entro, com a minha mala de porão no aeroporto, tomo um galão e descolo. “Senhores passageiros, bem-vindos a bordo.  Em Breve chegaremos a Mombassa, a Nampula, a Viena, a Barcelona…”

Fecho os olhos com força e vou-nos buscar em frente à Sagrada Família. Depois, com os olhos ainda mais fechados, vejo-te a subir o Park Guell  como quem faz o caminho de Santiago. Falta-te o cajado, sobra-te vida.

Ouço-te dizer que temos de ir a Tibidabo, sem te escutar. Escorrem-te pingas de suor. Não tens maquiagem na cara. Muito menos no coração.

Abro os olhos. Estamos com os pés mergulhados no Mediterrâneo. Dizes que os meus são feios. Pergunto-te se já olhaste bem para os teus.

Digo que te amo, em catalão, na Avenida Diagonal. Foges, a rir, com chinelos de meter o dedo, Diagonal abaixo. Só dizes que gostas de mim quando tropeças e te apanho numa viela do Bairro Gótico, ao pé da Plaça del Rei.

Beijas-me. A tua boca não engana! Gostas de mim.

Peço a um senhor, em castelhano, para nos tirar uma fotografia. Ele diz “Si us plau, parla´m en català”

Peço desculpa. Ele tira-nos na mesma. Ficas linda. Eu fico com barbela.

Fumo um cigarro, a seguir. Depois outro. Dizes-me que eu devo ter uns pulmões pretos maravilhosos. Aprecio a tua ironia, mas estou cansado para a devolver.

Sentámo-nos no meio das Ramblas.  Já não vamos para novos. Ficamos a pensar na vida.

Conheci-te quando tinha de ser. Tarde. Ou se calhar não.

Hoje tenho cabelos brancos. Tu dizes que tens rugas ao pé dos olhos. Pés de galinha, não é?

Não fomos adolescentes juntos. Não partilhámos o 25 de abril um do outro! Não me viste de espinhas na ponta do nariz, não me viste de cabelo grande nem de calças vinte e cinco números acima do número. Nunca viste a minha barba à Guevara, muito mal semeada! Não ouviste comigo os discos do Zeca, nem dançámos, no roço, um slow qualquer, no baile de finalistas.

Antes de ti esguichei vida também, sabes!

Houve outros passageiros que começaram a viagem comigo. Gente boa, com narrativas bonitas. Foram saindo porque tínhamos destinos diferentes. Só isso! Eu queria ir para Y, eles para X.  

Apanhei-te a meio. Travei a fundo quando te vi. Tinhas o polegar estendido. Além disso, tinhas fantasmas nos olhos verdes. Dei-te boleia. Aliás, demo-nos boleia um ao outro.
De costas direitas, apesar da cifose, ofereço-te tudo o que tenho. Que é nada, portanto!

Rectifico.

Tenho adrenalina. Um ror dela  É difícil de explicar e eu não sou capaz de fazer artesanato com as palavras. Falta-me talento.
Vou dar-te um exemplo.

Lembras-te quando disse que te ouvi dizer que querias ir a Tibidabo, sem te ter escutado?
Só ouvi, amor! E de raspão!
Porque queria abraçar-te. Com força. Com muita força. Enquanto fechava os olhos.

Amo-te.

Ficas feliz. A seguir dizes “si us plau, parla´m en català!”.

 


domingo, 20 de novembro de 2011

É por aqui...








Voava só para te olhar. Cheio de vertigens, abria os braços e lá ia eu. Passava o norte. E o centro. Chegava ao sul, fechava os olhos e fosse o que Deus quisesse. Podia ser que não partisse o molar e o siso inferior, na aterragem. Valia a pena...

Pessoa "x", aliás, pessoa "y", a quem vou dar o nome de Ana, estou em crer que tenho as tensões altas por tua causa. O médico disse que era do sal. Está enganado. É estagiário.

Ana, a vida é nada. ( Já é alguma coisa. Antes ser nada do que não ser coisa nenhuma.)

Mas…

Tu, com as tuas vogais fechadinhas e com a tua mania estranha de dizeres os “V´s” nas palavras onde se devem dizer os “V`s”, deste-me asas.

Calma, não sou anjo. Os anjos não têm sexo.


O teu Deus – aquele em quem não acredito, mas de que estou sempre a falar – anda a brincar à cabra cega comigo. Mandou-me para “aí” para me mostrar que eu pertencia “aqui”. Diz-Lhe, por favor, que aos trinta e tal anos, há outras brincadeiras que aprecio mais. Jogar ao elástico, por exemplo! Ou ao um dois três macaquinho chinês!


Ana, embora seja raro, cheguei a uma conclusão. E por mais que Ele troveje, sabe que tenho razão: Eu não sou “daqui” nem “daí”. Muito menos de “acolá.” De acolá, jamais”.


Eu sou de Ti.


Repara, eu sou mesmo de Ti.


E aí, que é em Ti, há sol e vento moderado de sudoeste. Aquele fresquinho de noite de verão. Em Ti não há golas altas nem camisolas grossas que picam um indivíduo.


Não sou natural de Ti, não senhor!



Nasci aqui. Neste ponto cardeal, talvez ocidental.


Bússolas e escalímetros é mais contigo! Todavia -porque todavia é uma palavra que acresce alguma formalidade a uma prosa que usa crista e chinelos de meter o dedo-, as tuas coordenadas eu conheço. De cor!

Temos a nossa folhinha de oliveira, meu Amor. Guarda-a bem. A minha nunca mais vai sair de onde está...

Quando chego a Ti, ponho chicla de limão na boca, deito cheirinho no pescoço e levanto as golas do casaco. Azul, sempre. É o que dizem...

Quando chego a Ti fico com taquicardia. Fazes-me mal ao coração. Trinta e sete mil trezentos e trinta e três batimentos cardíacos por minutos não é saudável por aí fora. Faz melhor comer legumes e frutinha…


Mas…


Pouco me importa.Ou melhor, não me importa nada! Ele que bata. Não te sei amar devagarinho. Não te sei amar assim-assim. Não te sei amar como um domingueiro. Ana, raios me partam se alguma vez te amar na "medidinha" certa.Tu avisa-me. Raios me partam!


Não tenho tempo. Tenho de correr. Estou atrasado. Ainda há tempo, mas... não te posso amar devagar. Isso não. É a minha forma de nos respeitar!


Posso até falecer amanhã. Se bem que era aborrecido, na medida em que há coisas de que gosto mais. Falecer envolve logística e burocracia. E confesso que papelada não é coisa que adicione centímetros ao meu baixo-ventre. Aliás, subtrai.


Mas sabes, ia ter pena! De mim. Quero viver-Te!


Tu, que estás sempre alerta, escuta. Trouxeste-me de volta o natal. Em Agosto. Em Belém. Não naquele onde nasceu, por obra e graça do Espírito Santo, o teu Jesus.


Aquele Belém em que tu, com meio pastel de nata enfiado na linha que separa os dois dentes da frente , me disseste que eu te fazia rir.


Grato. A ti e ao Martim Moniz! Parecendo que não, dá-me jeito que, sendo, não sejas Moura. Há procedimentos que nos iam atrapalhar. E eu nunca fui bom a francês....


Sabes Ana, que estás longe, que estás perto, que vives em mim, em todos os meus andares, somos sem sermos para ser. Não éramos suposto. Somos por lapso.


Mas somos. E ser é raro. Tão raro como o teu clube ser campeão.


Fico com asma quando me venho embora de Ti. Aqui, de onde sou natural, diz-se sufeca.


Lembras-te do senhor que pica os bilhetes no comboio me ter ralhado por eu não respeitar as regras de segurança e ter aberto as portas para te dar mais um beijo quando o comboio começava a deixar a gare?


Perguntou-me se tinha a noção do que tinha acabado de fazer.

A seguir perguntei-lhe eu se ele tinha noção do que tinha acabado de dizer.

Eu sei, amor, eu sei que ele estava a fazer o trabalho dele, mas passou-me pela cabeça agredi-lo. Mas depois passou-me pela cabeça que, se calhar, não o devia agredir por ele estar a fazer o trabalho dele.


Optei por não o agredir.

Gosto de ti.


Não te preocupes com o caminho. É por aqui. Dá-me só a tua mão. 


Oupa! Vamos.


domingo, 28 de agosto de 2011

OLÁ, RITA!

Olá…


Olhos verdes. Não me engano.

Sou bem-vindo de volta a mim mesmo. Obrigado.

Ensinaste-me o caminho.

“Chegas à rotunda, invertes o sentido da marcha, passas por um atalho onde antes tinha um STOP, segues em frente mais ou menos trinta e sete metros e o teu norte está ali, vês? O teu norte está a sul.

Grato.

Sabes, o novo mete medo. Obriga-te a dormir com a luz da mesinha de cabeceira acesa. O novo é um papão com soutien encarnado, 34, copa B.

Repara: Encarnado, não vermelho.

Não me metes medo.

Tu cheiras a mentol. Sabes a chicla com canela. Sabes quem foi o Ésquilo, sabes latim, declinas, de fio a pavio, do genitivo ao dativo e sabes de cor as estrofes da Odisseia. Que bem que ficava aqui uma rima emparelhada, depois de odisseia, a dizer que és uma sereia.

Nem pensar. Gosto muito das tuas pernocas.

Ouço-te rir e é Dezembro. Fico quentinho, sabes.

Escuto o teu sotaque, primeiro. Só depois ouço o que dizes.

Desembarco em Creta quando ouço os teus “É´s”. Sou um indivíduo estranho, desculpa.

Apaixonei-me pela tua vogal. Amo-a. Não tarda e peço-lhe a mão. E o resto. Sim, ao teu “E”.

Ouve. Aliás, escuta.

Os meus olhos continuam castanhos. Têm íris, pupila e córnea.

Mas já não têm olheiras. Foram à vida delas.

Até nunca, papos na pálpebra inferior!



És Tejo. Porque és grande como ele.

Também és pequenina. Dás-me pelos ombros. Ficas olhos nos olhos com o meu coração.

Ele estranha-te. Não é por mal. É por bem.

Não o leves a mal.



Tirei uma fotografia às tuas sabrinas. Lembras-te? São cinzentas. Ou lilás. Tanto me faz.

São bonitas. São do caminho. Como tu.

Sabes, eu também sou do caminho. Não tenho um Deus ou um santinho, mas sou do caminho.

Encontrei-te a meio. Transpirava muito. Tinha cãibras na tíbia e dor de burro no sítio onde se tem dor de burro. Tinha sede. Tinha a boca seca.

Dou meia volta. Desisto!

Merda! (No sentido não literal, claro.)

Dei-te uma turra quando me virei. Ias para baixo e eu para cima.

Deste-me água. Saraste as minhas feridas. Com muito jeitinho.
És linda...

- Sou a Rita. Muito prazer.


- Obrigado.


(Ris da minha estupidez.)


- …


- Desculpa. Sou o Tiago. Muito prazer.


- Obrigada, também.


(Rio. Tremo)

Dizes que tenho um sorriso bonito. Deixo de ser ateu.

Pedes-me para ir contigo. Faço uma tatuagem de Deus no abdominal. Que outrora tive.

Dizes, feliz, que abro as vogais. Eu digo que tu as comes.

Dizes que não.

Dizes que são “quatr`horas”. Digo “estás a ber?”



Quase não saímos do sítio, ainda. Demos meia-dúzia de passos, no máximo. Nenhum de nós sabe ao certo o caminho. Pode ser que seja por aqui...

Tu trouxeste-me o Natal. Aquele de quando era pequenino.

Rita, somos propriedade comutativa um do outro. Eu mais tu é igual a tu mais eu.

Quero ver-te muitas vezes. Aliás, quero ver-te o triplo da raiz cúbica de um trilião. Não, esquece, é “poucochinho”. Quero ver-te sempre que tu me queiras ver. Assim é mais justo.

Pouco me interessa se ficas com um bocadinho de pastel de nata entre um molar e um incisivo, se escreves Majestic com “g” ou se achas a Torre dos Clérigos um camafeu.

Se calhar, e se não for pedir muito, pedia-te só para fazeres o obséquio de, de vez em quando, respeitares os proibidos. Já não digo sempre. Dois em cada quatro, por exemplo. Já não era mau.


Bem-vinda a mim. Fica o tempo que quiseres.

Reticências.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

CARTA A CAROLINA...


Estás a ver as ondas que tocam na areia molhada e depois vão devagarinho de volta para o Oceano? Se calhar é só a mim, mas parece-me sempre que estão a pedir socorro. Enfincam as unhas na areia mas perdem sempre. Ninguém as acode, coitadas!


Desculpa-me a imagem. É trágica de mais. Nem tu és a areia nem eu as ondas. No máximo, ter-me-á passado pela cabeça que pudéssemos ser o salva-vidas um do outro. Repito. No máximo.

Adiante.

Escrevo-te porque sim. Haverá outras razões, se calhar.

É Agosto, não as vou desmontar. Nas férias sou só um guardador de rebanhos. Ajudo o pastor nas folgas dele.

Vou brincar um bocadinho à literatura. Senta-te e masturba-te com o meu talento. Escuta. Mas com olhos de ver. “ O amor é uma merda”.

Gostaste do pragmatismo? Sabia que sim.

Por esta luz que me alumia, Carolina: Tu foste a viagem que eu sempre quis. Em ti subi à Torre Eifell, em ti marquei um golo de pontapé de bicicleta ao Benfica, em ti fui Nobel da Paz, em ti, sua giraça, flutuei nas águas quentinhas de Mombassa. Com bóias, claro.

Depois veio a parte feia.

A aterragem.

Foi difícil, sim senhor. Falhou qualquer coisa. Não sei o quê ao certo. Não sou muito bom a mecânica.

Sabes, cheguei a ser mendigo de ti. Era como se estendesse a mão quando tu passavas. Pedia-te esmola. Em amor.

Dizias que não podia ser. Para eu ir trabalhar que tinha bom corpo.


Já não sinto a tua falta. Despeço-me de ti aqui. Olha vê:

“ Carolina,


Espero que esta carta te encontre bem.


Já não me dói a garganta quando engulo. Os teus abraços já não me arrepiam. Já ouço a faixa 9 sem me lembrar de ti.


Posto isto, e pelas razões supracitadas, o meu coração manda-me dizer que precisa de outro desafio.


Mais informo que foi um prazer.


Os meus melhores cumprimentos.
Tiago




A carta vale o que vale. As palavras valem o que valem.

As palavras têm o nariz grande. Aldrabam. São prostitutas. Gemem e a seguir perguntam-te se vais demorar muito.

De ti, além do cheirinho a hidratante depois da praia e outras infinitas coisas, levo taquicardia. Grato pelos três mil batimentos cardíacos por minuto.

Carolina, que rimas mais ou menos com tangerina, o amor é muito bom rapaz, mas não aprecia que o façam esperar ao frio. Há coisas de que gosta mais.

Estou triste. Tenho tiques, agora. Olho duas vezes para trás a cada cinco segundos. Dizem que é dos nervos.

Mas não. Pode ser que andes por aí. Nunca se sabe.

Gostava de te entender. Sei lá, podias ser como a área de um triângulo. Salvo seja. Mas eras mais fácil. Base vezes altura a dividir por dois e estava encontrada a solução. Carolina é igual a “a” mais “b” ao quadrado.

Assim não. Tens demasiadas equações, fracções, números primos e complicações.

Desancorámos um do outro. Foste sempre de nortadas e trovoadas mas eras o meu Oceano Pacífico.

Sou um capitão de merda. Perdi-me no mar alto e só conheço a tua rota.



Alto…

O mar está a respirar fundo devagarinho. Adormeceu. Shhh. Vou falar baixinho e pôr-me a andar antes que acorde.

Alto, outra vez.

A olho nu, parece-me uma mulher. Glúteos em forma de Pêra rocha, formas convexas onde tem de ser. E formas côncavas também onde tem de ser.

Coloco os binóculos.

Falso alarme…

Afinal não. É falso o falso alarme. Graças a Deus, ou ao primo afastado Dele, sou destrambelhado. Os binóculos estavam do avesso.

Confirma-se o olho nu. Adiciono-lhe só um olho azul. Ou verde. Ou cinzento. Dois, aliás.

Os meus - castanhos, raiados, caídos, pequeninos, murchos – ficam, em zero vírgula treze segundos, erectos.

Quer-me parecer que já não estou cativo de ti. Dá-me, de facto, essa ideia.

Rebobino a minha vida contigo, enquanto remo com os meus bíceps finguelas. para a ver ao perto.

Choro como um menino. Pior, choro como um adulto que parece um menino muito pequenino. Baba, ranho, outra vez baba e outra vez ranho.

Lembro-me outra vez dos teus dentes. Amo-os. Lembro-me de ti apaixonada e dos teus lábios besuntados de straciatella e pinacolada. Amo-os. Lembro-me dos teus seios bonitos de qualquer coisa copa B. Amo-os. Lembro-me do teu nariz, treze vezes mais pequenino do que o meu e bem mais redondinho. Amo-o. Lembro-me dos teus dedos, dos teus medos, dos teus segredos. Não faleço porque não calha…

Amo-te Carolina. Amo-te Carolina. Amo-te Carolina.

Amo-te mas remo. Cresce-me o músculo, remo com mais força, aos ziguezagues.

Está a trovejar. Vou-me embora de ti.

Desta vez não deixo o Código Postal. Desta vez, não…

Lembras-te da metáfora mal conseguida do início? Aquela estapafúrdia, da areia e do mar e não sei quê? Já não peço que não me deixes cair. Já não enfinco as unhas nos teus dedos. O meu chão, agora, é de algodão.

Ainda não. Mas há-de ser.

Sou capitão de mim mesmo. Eu é que mando.

Estou à frente do meu barco. De pé. Com as costas direitas.

Tu foste o melhor que me aconteceu.

Foste.

domingo, 22 de maio de 2011

Voa...


Houvesse uma ponta por onde pegar e eu pegava...


Fiz um tratado de paz com o meu coração. Apertámos a mão e, com treze nós na garganta, fomos à nossa vida. A que julgávamos ter…

Enquanto sarrabiscava o documento, lembrei-me de mim. Do meu eu de ontem.

A pista de aviação era minha. Toda minha. Corria, corria, corria, abria os bracitos e lá ia eu…e tu! Nas minhas asas, a rir e a rezar para que o vento não te "bufasse" o cabelo para os olhos verdes...

Hoje, cabeça no ar, já não sei do coração. Perdi-o.

Pensar em ti, hoje, não me faz bem. Fico com as tensões altas...

Penso em ti um bocadinho e faço-me uma contra-ordenação. Grave.

Penso em ti mais do que um bocadinho e piso todas as linhas contínuas do coração que, feito num oitocentos, descubro. Piso-as como quem apaga um cigarro…

Eu não era para ser. Sou, porque Deus, ou coisa que o valha, são imaturos. Os dois.

Bonito serviço, menino Deus...

Sabes, Beatriz, o meu coração veio com defeito. Para o bem e para o mal.

Precisava de ar. Não sei se de ar rarefeito ou comprimido, porque nunca fui muito bom a Inglês, mas precisava de ar, meu amor. E só tu, com as tuas bochechas gordinhas, sabias como o encher…

Fomos embora um do outro. Que maçada!

Disse-o há uns duzentos e dezassete caracteres atrás. Houvesse uma ponta por onde pegar e eu pegava. Juro. Por Deus. Ou por coisa que o valha.

Um dia fiz-te um barquinho de papel. Um bote, aliás. Também nunca fui muito bom a trabalhos manuais.

Meti-o no bolso do teu quispo, à socapa, e fui-me embora. Dizia assim:

Crida Bea,


Gosto do teu xeirinho. Gosto da bluza azul clarinha que trases oje ( ou rôcha, ainda não çei as cores) e da bluza de folhinhos que trousseste ontem. Gosto dos teus demtes de laite branquinhos e até gosto daquele que está a abanar. Gosto que não tenhas brincos. Gosto do teu narisinho peqenino sempre limpinho. Gosto cuando falas comigo e a tua bôca cheira a paxta dos demtes.É fresquinho.


Gosto da tua letra redondinha ( apezar de teres que melhorar no quê de quaquá maiúsculo). Gosto de te oubir ler aquelas palavras difisseis com um ror de sílabas. Sabes, gosto muito de ti e de estar á tua beira no recreio a comer sereijas. Obrigado por ontem me teres dado metade do teu pão com jeleia.


Tinha sete anos, Beatriz. E, mesmo com o quarteirão e meio de erros ortográficos, estas foram as melhores linhas da minha vida.

Neste balancé que é a vida, fui empurrado para o chão quando fiquei sem ti. Estou todo arranhado, meu amor. Puseram-me mercúrio no cotovelo e nos joelhos, mas não é aí que me dói!

Beatriz, que és actriz, que me fizeste feliz, que me fizeste infeliz, não sou mais o teu par neste guião. Sou ímpar, agora…

Morri na tua peça. Essa é que é essa…

A vida desceu-me as cortinas e o teatro está vazio. E escuro!

Mete medo, amor!

O futuro pôs-se a andar. O palerma!

Agora, nas noites de trovoada, durmo agarrado ao pretérito perfeito. Ele não me foge. Algemei-o...

Os mundos e fundos que trocámos, trocaram-nos as voltas. Meu Amor, eles mandaram-me procurar-te na linha do Equador, essa linha imaginária que divide o mundo em dois…

Estou fora de combate. Estou no chão. A imagem é turva e ouço, ao longe, o árbitro aos berros…
Cinco, quatro, três, dois, um….
Quero muito, mas não tenho força para me levantar. Durante a contagem decrescente, lembro-me de ti a beberes do meu copo, ouço-te a rir, ouço-te a chorar, vejo-te nua, vejo o teu ventre, inspiro o teu cheiro, guardo-o e recuso-me a expirá-lo, lembro-me de ti a dizer adeus…

Zeeero.

Ateu que sou, pedi a Deus para me dar uma mãozinha.

Estava a dormir.

Chato, insisti no apelo.

Virou-se para o outro lado.

Apesar de todo o respeito pelo sono divino, desesperado, fiz-lhe cócegas nas axilas. Primeiro desfez-se a rir. Depois gabou-me a perspicácia por lhe ter descoberto o ponto fraco.

A seguir, com muito cuidado nas palavras que escolhia, disse-me para te deixar ir…


Amo-te desde os dinossauros, desde o paleolítico, amo-te e ainda não se dizia “amo-te” . Amo-te desde o sensório motor, da lalação e do biberão. Desde a chupeta, minha Julieta…

Amo-te mal me acenderam o semáforo verde e eu saí, disparado, placenta abaixo…

Mas…

Eu percebi…

Voa, amor.

A tua Primavera não está em mim.

segunda-feira, 7 de março de 2011

DEUS EMIGROU...

 
 
Pum catrapum. Pum catrapum.


Deus emigrou. Foi em busca de melhores condições de vida. Desejo-lhe o que desejo para os meus. Saudinha. Que é o que é preciso.

Não estou triste. Nem contente. Nem assim-assim.

Deus nunca imigrou para dentro de mim.

Talvez por razões meteorológicas. Talvez por dificuldade em obter visto de trabalho. Talvez…

Eu pari-me a mim mesmo.

O processo não envolveu espermatozóides, óvulos, contracções ou bofetadas no rabiosque, é certo. Mas eu pari-me. Com uma mãozinha tua, claro!

Outrora, fui cinzento. Fui de um bege claro sem sal. Também fui castanho-orfão.

(Sou daltónico, amor, mas estas cores não vêm no arco-íris, pois não?)

Antes de ti já tinha o cabelo erecto. Já tinha asma por não me terem apresentado o mundo pessoalmente. Antes de ti já sonhava com os géisers da Islândia.

À minha vida acrescentaste arrepios. Não de frio. Aliás, não sei de quê ao certo. Nem me interessa.

Acrescentaste, sobretudo, banda desenhada. Sim, isso mesmo!

Subtraíste-me anos, endireitaste-me as costas e deste-me a tua mão de dedos fininhos. Entrelaçaste-os com os meus e sorriste. Inspirei e expirei. Alguém tocava piano, baixinho, dentro de mim. Voltei a inspirar e voltei a “bufar” tudo cá para fora. Desta vez fechei os olhos.

Arrepiei-me.

Tu sim. Imigraste para mim. Juro, pelas alminhas, que não sais daí.

Trato-te com pinças. És delicada, pois claro.

Eu e Deus somos uma antítese. Ele nasceu com direitos adquiridos. Eu não.

Sabe tudo, sabendo. Nunca queimou uma pestana. Não sabe o que é estudar Direito Administrativo. Nunca teve de decorar a fórmula química do azoto. Assim também eu.

Isso irrita-me, mas só até certo ponto. O que me deixa fora de mim, amor, é o facto de Ele estar em todo o lado. Eu que saiba que Ele te anda a ver nua. Eu que saiba…

Meu amor. Sim, Tu, é para ti que falo, sempre. Tu, que dizes que gostas de me ler, tu, que dizes que os meus olhos não mentem, fica sabendo que estás enganada.
Os meus olhos são uns deslumbrados. Mentem com quantos dentes têm. E têm todos…

A vida é como diz o Miguel. Uma boa merda. Às vezes é boa. Às vezes é uma merda.

É uma isotopia. Não tem meio termo.

Atiça-nos. Mostra-nos os seios, desenhados a compasso. Seios de trezentos e sessenta graus.
Muito arranjadinhos.

Depois, bovina, diz que nós não fazemos o tipo dela. Ou porque temos um nariz oblíquo, ou porque, iletrados, não conhecemos o idealismo metafísico de Kant.

Põe os teus olhos nos meus. Fixa-os. Se os meus começarem a fugir, corre, com os teus, atrás deles.

Vês agora?

Tudo fachada, amor. Além de um castanho vulgar, o que vês, são uns olhos que vivem acima das possibilidades. Gastam mais do que ganham. Um dia destes, a uma terça, que é o dia que gosto menos, a vida vem aí e hipoteca-me os sonhos.

Tenho-te a ti. O meu Oceano Pacífico, onde flutuo e apanho sol quentinho na cara. Tu és tanto.

Mas…

Tenho medo…

Tenho chiliques. Amiúde, chegam a ser fanicos. Falta-me o ar.

A vida inverte o sentido da marcha sempre lhe apetece. Conduz mal, não é de fiar.

Mostra-te o norte, diz-te que é lindo e que cheira a rosas. A seguir, tira-to e espeta-te com o sul. É uma rosa-dos-ventos intrujona.

E mais…

A vida tem um léxico que mete pena. Apetece dar-lhe esmola, pobrezinha!

- Isso não que é pecado. Isso também não. Também é pecado.

- E isto?

- Pecado…

- Aquilo?

-Pecado…

- Isso?

- Pecado…

Sua misantropa, sua macambúzia, sua sorumbática, com muitos etceteras…


E Deus?

Emigrou. Para não se tornar ateu.


Gosto tanto, tanto de Ti. Tu és o mais próximo que estive de Deus.

Deus acontece quando fazemos coisas pouco católicas, por exemplo.

Acontece quando Te dou mel para a tossinha, que nunca mais passa. Acontece quando puxo a barriga para dentro e Te pergunto se estou mais gordo e tu, às gargalhadas, mandas-me para aquela parte.

Deus é quando ris para mim.

Temos pathos, ambos. Damos muitos beijinhos. Com a língua, com saliva, com lábios, com suor, com nariz, com lágrimas. Isso, ninguém nos tira.

Baixa-te amor, quando a vida vier com balas e bazucas. Agarra-te a mim. Com força. Com toda a força que tiveres. Mas não mostres medo.

Ela é um espantalho, um espanta-pardais. A nós não engana.

Dela, gosto da parte boa. Da que nos apresentou...





domingo, 30 de janeiro de 2011

ERA UMA VEZ NA ÍNDIA...


Cabelo ao vento, língua afiada, perna esguia, sorriso só para quem merece…


Chamas-te Maria. Como a santa.

És virgem. Mas não como a santa.

Quando te vi, segui-te. Os outros, de quem não me lembro o rosto, quando te viram, seguiram-te. Eram muitos. Uns trinta. Ou quinhentos. Fizemos-te uma procissão. Como à santa.

Maria, de olhos grandes, muito grandes, que servem para me ver melhor. São castanhos. É-me igual, até podiam ser magenta. São para me ver melhor. Chega-me. E sobra-me.


Perdi os meus pais quando era pequenino. Não, eu não os perdi.

Eles morreram quando eu era pequenino. Os dois.

Era pequenino, mas não o suficiente. Se fosse um bocadinho pequenino mais pequenino, não me lembraria deles. Mas lembro.

E o vento assobia a treze mil quilómetros à hora a toda a hora no meu coração. E Jesus ralha no meu coração, com trovões maus e raios que raios os partam…No coração ou em outro lado qualquer. Sei que o vozeirão de Jesus e os agudos do vento me abanam, sei que me deixam a tremer, sei que me magoam. Fazem dói-dói, como eles diziam…

Passaram-se duas dezenas de anos, centenas de meses e milhares de dias e não perdem o pio.

Há dias em que sou sem-abrigo de mim mesmo. Estendo a mão e peço-me esmola. Para ver se passa.

Não passa.

Às vezes, sempre ao domingo, perguntas-me se tenho saudades deles.


-...
- Chora, meu amor. Chora tudo.

Descubro músculos no rosto de cada vez que choro. Estão duros, com as veias de fora. Levantam o haltere mais pesado. Sem fazer cara feia…

Fiz este hiato na tua caracterização porque eles merecem. O amor e o sofrimento entrelaçam as mãos com força. São gémeos. Falsos, mas gémeos.

Quanto mais amas, mais acabarás por sofrer. Dês tu as voltas que deres.

E sabes, isso é justo. O sofrimento mata-te aos bocadinhos, mas endireita-te a coluna. Dignifica-te. O sofrimento é uma forma estrambólica de amar. Porém, uma forma.

Mas…Maria dos olhos grandes, eu sou muito mais do que só isto. E mesmo quando sou isto, sou-o contigo. A fazeres-me festinhas. A estares em silêncio. A abraçares-me. A dizeres para eu chorar que me faz bem.



Maria, que tens a mania que és fina, posto isto, sou um homem feliz. Posto isto, sou um filho da mãe sortudo. Por um triz, mas um triz bem anãozinho, não acredito em Deus.

Deus estava a sair e eu a entrar. Não nos cruzámos.
Homessa!!

Maria, que tens dias que também não és flor que se cheire, nem na Papua Nova Guiné há uma história de amor mais bonita que a nossa.

Talvez na Índia, por trás do Taj Mahal, numa perpendicular à rua principal de Agra, nas margens do Yamuna, haja uma.

Não. Nem aí.

Aí só começou.

Agosto dava as últimas e o meu molar também.

Um autodidacta, com jeito para o alicate, ou não, o Kailash, dentista de rua, salvou a minha vida. Não a do meu dente. A minha vida.

Foi sentada numa cadeira que, a julgar pelo aspecto, rivalizava em idade com as Pirâmides de Gizé, que te vi pela primeira vez. Estavas de boca aberta.

O molar abanava e eu estava na fila, atrás de um octogenário que não parava de te olhar para o peito. Para os dois, aliás.

Abanei a cabeça em sinal de desaprovação. Entretanto, olhei também…E por lá fiquei!

Hindi, mais hindi, hindi a torto e a direito, afinal estava na Índia.

- Fooooda-se.

O dialecto não me era, de todo, estranho. À minha frente, tu. Cabelo anarco-sindicalista. De esquerda liberal, cada fio era um Karl Marx a berrar contra o capitalismo. O cabelo desalinhado, sem ponta por onde pegar, mais bonito do mundo. Era preto.

Uma ou outra sarda, pele morena, olhos castanhos. Grandes.

O Kailash acabara de te subtrair um dente. Um que estava bom!


- És portuguesa?


- Não, sou Cipriota, com raízes no Turquemenistão. (irónica e com as duas mãos na bochecha direita)


- Desculpa. Era uma pergunta retórica.

(não respondes. Sinto que ficas "a isto" de me mandar copular. Vais à tua vida)

Segui-te. Tinhas pelo na venta, falavas a minha língua e não me passavas cartão.

Era pecado não te seguir. Eras a minha saída, o meu bilhete. Se perdesse o teu comboio, roubava-me a pouca vida que tinha. Eu sabia-o.

- Sou o Tiago. Do Porto.


- Maria. Do mundo. (em passo apressado)


- Maria do mundo, posso acompanhar-te? Tenho gomas. Das gordinhas.

(Sorris para mim. Não faleço porque não calha)

Caminhámos pela poeira, gozaste com o meu sotaque, gozei com o teu “Deus te salve” e tu com o meu "biba!" depois de espirrarmos em uníssono. Disseste-me, a rir, que o meu molar estava por minutos, disse-te “olha quem fala”.

Falei-te do Gandhi, disseste-me para não me esforçar para parecer erudito. Meti a viola no saco.

Esticaste o pescoço e riste-te da minha cara de parvo. De parvo não. De lorpa.

Baixei o pescoço.

Tinhas sandálias iguais às da minha mãe.


Nesse dia, o único em que estivemos juntos na Índia, amei-te devagarinho. Amei-te a olhar-te nos olhos. Uma, duas, muitas vezes.
Nesse dia, o único em que estivemos juntos na Índia, amaste-me devagarinho. Amaste-me a olhar-me nos olhos. Uma, duas, muitas vezes.

Bem-hajas, Vasco da Gama, seu descobridor do caminho marítimo para a minha ilha do amor! Não há pai para ti!
Bem hajam os que, antes de ti, dobraram o cabo das tormentas e partiram o focinho ao Adamastor. Dava-vos um beijinho no rabinho a cada um, se pudesse. Juro. Pelo S. Bento das pêras.

Maria, que precisas de pimenta na língua, pedi-te, com olhinhos de carneirinho mal morto, para me deixares gostar de ti.
Triunfante, dificultaste-me a vida.

- Daqui a dois meses, às quatro e trinta e três da tarde, se ainda quiseres gostar de mim, aparece-me em Picadilly Circus, juntinho à estátua de Eros.

Começaste a chorar e pediste para eu sair.

Um milhão de fantasmas faziam excursões nos teus olhos grandes.

No índice da nossa vida, o primeiro capítulo terminou em Londres. Às quatro e trinta e três, com o Eros a espetar uma flecha no meio de nós.

Resgatei-te.

Resgaste-me.

Maria, que és do mundo, que és minha, os meus pais iam gostar de te conhecer. Não à primeira, se calhar. Mas iam.


Amo-te.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

CRIS. Assim, em maiúsculas.


Gosto de ti. Reticências.


Vives em mim. Em todos os meus andares. Da cave ao sótão do meu eu, lá estás tu e a tua fila indiana de dentes brancos. Todos certinhos.Todos direitinhos.

Estou longe de ti, só hoje, mas sinto necessidade de te escrever. Assim, com esta letra à primária, bem redondinha. É mais gorda que o caracter do teclado, tem a anca mais larga, mas tem melhor coração.

Escolheste-me. Da multidão de rapazes de nariz pequenino e de olhos verde-azeitona, tu, sua morcona, lançaste o teu dedo indicador na minha direcção. Olhei para o lado direito. Depois para o esquerdo. Olhei para cima. Olhei para ti, com o meu indicador a apontar para mim e, a medo, como num filme mudo, disse: EU?

Salvaste-me…A única coisa que eu tinha de original era ter lateralidade cruzada. Escrevia com a direita e chutava com o esquerdo. Achaste piada. Não discuto gostos. Obrigado, lateralidade cruzada.

Lembro-me de ti na Escola. Lembro-me do centésimo de segundo em que a minha vida ficou circunscrita a ti. Rasgaste em trinta e sete pedacinhos o exame de Filosofia, dois minutos depois de começar. Levantaste-te, juntaste os pedacinhos, agrafaste-os e deste-os, a sorrir, ao professor. Sempre a sorrir, e de forma muito educada, mandaste o senhor à merda. Antes de saíres, e ainda a sorrir, disseste-lhe para ir perguntar o que é o amor numa perspectiva epistemológica, à mãezinha dele. Um a um, levantámo-nos e batemos-te palmas...

O amor não se pergunta. Ele exprime-se por ele. Não precisa de cordas vocais nem de semântica para ser objectivo. O amor está nos olhos, nunca nas palavras. Elas só atrapalham, disseste-me…

Disse-te que não.

Disseste-me que sim.

-E não…

- E sim…

-Desculpa, Cris, tu não percebes patavina de amor. Aliás, percebes tanto de amor como eu percebo de agropecuária Checoslovaca.

(Riste-te.)

- Cris, se o amor está só nos olhos, porque é que eu tremo sempre que estou ao pé de ti. Que eu saiba, não tremo com a íris nem com a córnea. Dá-lhe liberdade, deixa-o vir por aí a baixo. Não o engaioles nos olhos...

(Coraste.)

- João, não gosto que digas “ao pé”. Diz antes “à beira”.

- Cris, sabes uma coisa?

( a olhar para o chão)

- Sei muitas.

- O olhar de que falas pode ser um não olhar?

(Ris, envergonhada.Continuas a olhar para o chão)

- João, vamos comer pão com geleia?


Esse diálogo, que por um triz não foi monólogo, marcou a tua vida. Não a minha, porque eu já sabia de que farinha eras feita.

Sabes, amor, aos setenta a vida não é como aos vinte. Sim, é pior. Sem eufemismos. Ninguém gosta de envelhecer...

A vida é um estupor. A vida é um coito interrupto. Faz cara feia a orgasmos de gritos de boca aberta e ao suor que cai em cataratas do Niágara…A vida mete os dedos na boca quando te vê dormir, agarrada a mim…

A vida é virgem. Ninguém lhe pega. Há-de morrer assim, com o hímen intacto. Bem feito.

Ela deu-me-te. Ela vai-me tirar-te…

Meu amor, eles sabem lá…Se soubessem nunca diriam que primeiro vem a paixão, que dizem ser efémera, os desgraçados, e depois vem o amor. Uma coisa tranquila, para aquecer os pés...O Amor, para eles, pode ser substituido por botijas e carapins, vê lá tu…

Hoje velhinhos, digo-te, muito baixinho: Excitas-me tanto como no primeiro dia. Ainda mais baixinho, a sussurrar ao ouvido: A tua pernoca septuagenária continua a adiar aquilo que ambos sabemos que era suposto já ter vindo.

Agora em mímica, porque o que vou dizer é quase quase ordinário: Paixão, meu grande amor, é termos setenta anos e “darmos duas”. Pronto, já disse. Desculpa, desculpa, desculpa.

Não volta a acontecer…Refiro-me, obviamente, à linguagem!


Cristãos, islâmicos, brancos, pretos, feios, bonitos, ciganos, beatas, prostitutas, freiras, ladrões, um apelo.

Acreditem em Cristo, em Isaías, em Abraão, em Maomé …Mas acreditem mais no amor.

Eu quero lá saber que apregoem Deus , Santo Eugénio,  ou que escrevam teorias sobre o caroço de Adão. Apregoem mas é o Amor. Rezem, orem, chorem, peregrinem, mas Deus é uma coisa. Sim, Deus é uma coisa, lamento. Deus é uma coisa que se chama Deus como se podia chamar Alberto. Ou, se tivesse mau gosto, Rolando Orlando.

Deus sou e tu, Cris, quando comemos pipocas e bebemos vinho, por exemplo. Ou quando estou doente e me dás beijinhos e papas de leite. Deus é isto. Uma coisa invisível, sem cara, sem número de contribuinte. Deus é um arrepio que me faz querer abraçar-te com tanta tanta força e fechar os olhos com tanta tanta força…

Acabou o enigma…

Cris, perdão.

Estou amargo. Não tenho força. Não é justo. A vida é fascista.

Tenho medo de morrer. Tenho medo que tu morras. Como é que vai ser quando morrer e tu não estiveres lá. Ou o contrário...Chamas por mim, velhinha?

De xis-acto em punho, rasguei o meu peito com o teu nome. Ejaculei sangue atrás de sangue. Sangue preto, não vermelho. Não o estanquei. Jamais o estancaria, Cris…

Do meu peito já ninguém te tira.

 Nem a vida.

Nem a morte.

Um “amo-te” sem palavras. Só olhos nos olhos.

Até amanhã.

domingo, 21 de novembro de 2010

"ROMA QUE ESTÁS NO MEIO DE NÓS"


A ti, grande amor da minha vida…


A vida separou-nos.

Cada um para seu lado, já chega!

E lá fomos! Cada um para seu lado. Eu para a esquerda e tu…bem, tu não sei!


Passaram-se 22 anos, fez ontem oito dias!

Queres saber de mim?

Não há muito a saber, sabes.

Metade de mim ficou naquela década! A metade mais bonita, a que ainda tinha cabelo.

Da outra não sei. Dizem que é filha de pai incógnito…


Soube que morreste há dois meses, na sexta-feira Santa. A Adelaide contou-me. Fiz-te o luto duas vezes. Sem nunca o ter feito.

Lá, no nosso canto nono, na Ilha dos Amores, chamavas-me picuinhas por te querer tanto. Às vezes lá diversificavas o léxico e chamavas-me Adamastor. O teu monstrinho. Rias, fungavas, soluçavas, rias…

Cheiravas a um cheiro que me velejava e desaguava, outra vez, nas águas mansas da minha mãe. Antes de rebentarem, claro.

O teu cheiro era o meu pai. E a minha mãe. E eu, pequenino, no meio deles. Lá fora, relâmpagos e “Jesus a ralhar”. Não faz mal…

Cheiravas a um cheiro que me excitava. O teu cheiro mexia com o metabolismo do meu baixo-ventre. Sem ninguém lhe mexer…

Sabia-te de trás para a frente, da frente para trás e na ponta da língua…As tuas mãos, os teus pés, o teu ventre, as tuas feições -as teatrais e as reais- os teus dedos, os teus medos…

Fui fraco. Metamorfoseei-me por tua causa. Não pela minha. Pela tua causa.

Escorreste-me, dedos abaixo…

Amor, o tesão foi substituído pela erosão. Saiu de maca, antes do intervalo. Coitadinho…

A Mafalda tem razão. Nem tudo o que parte se volta a colar. E tu descolaste. E eu vi-te partir.
Fui cobarde. Fui covarde.

A dupla grafia da palavra foi inventada a pensar em sujeitos como eu…O único dedo que mexi quando me pediste asas para voar, foi o do meio.

A vida, no tempo em que a tinha, chegou a fazer claque por nós… Eu ouvia-a. Os bruáaaas, os cânticos, as coreografias, a onda, a cada olhar que trocávamos.

A cada olhar, porque o silêncio, às vezes, é um fala-barato. Diz mais do que a boca. Diz mais do que um corpo, a gritar, histérico, por outro. O silêncio tem sempre a palavra certa. A que rima.

Fiquei sem vida bem antes de ti.
Tu só morreste. Grande coisa!! Nada de original, amor. Toda a gente morre.

Eu não. Eu fiquei sem vida. Chafurdo, como e durmo. Mal.

Dou chi-corações às recordações, também…São tudo o que tenho.

Itália, 1967, Julho, calor, gira-discos e Gianni Morandi,  tu de minissaia, tu de sandálias, tu de dentes brancos, tu de olhos esbugalhados a beber da Fontana di Trevi, tu e o teu rabo de ninfeta em cima da lambreta, tu a correres, tu de pernas esguias, tu a queixares-te do coliseu, que era um camafeu, tu, tu, tu, tu, tu….foste sempre muito mais do que uma segunda pessoa.

Eu, católico apostólico romano, tu ateia, mas romana, tu viajante, eu eremita, tu, meias calças às cores, eu, calças de vinco, tu lantejoulas, eu Plazza navona, tu Michellangelo, eu Capela Sistina, tu, Rafaello, eu pouco belo, tu Vénus, eu Cupido…

Pedi-te, treze vezes, para vires comigo ver o Papa. Disseste doze vezes que não.

À décima terceira, disseste sim à primeira.

Praça de S. Pedro. Fiéis e lenços brancos. O Papa. Em uníssono, milhares de gargantas cantavam o Padre nostro che sei nei cieli. Dois segundos depois do ámen, lambuzada de stracciatella, levantas um cartão .

Tremo. Não quero olhar. Conheço-te de ginjeira...

Signor Papa, Ciao, come stai? io sono qui solo perché io amo troppo questo ragazzo. Altrimenti non sarebbe mai. Abbraccio.


Olho. Traduzo.
“Senhor Papa, olá, como está? Eu só estou aqui porque amo muito este rapaz. Caso contrário jamais estaria". Um abraço.

O Papa tosse. Pede uns binóculos ao Cardeal que está mais à mão.

Os fieis murmuram.

Dá-me uma cólica. Vou de moreno a branco em um vírgula sete segundos...

O Papa aponta-te o dedo. A cólica agudiza-se.

- “Irmã, se não queres estar aqui, não és obrigada”

- Senhor, o seu Deus não diz que temos de fazer sacrifícios? Ei-lo…


Silêncio…

Mais silêncio…

Bocas abertas...


Silêncio ensurdecedor. Confrangedor...


O Papa sorri.

A seguir ri.

Depois desfaz-se em gargalhadas.

A cólica ameniza.

- Amo-te.

- Amo-te

A cólica vai à vida dela.



Sabes, recordo os silêncios que partilhámos, recordo o teu choro e como ele me corroía, recordo Roma, recordo-nos a imitar  Baco, e da nossa voz a seguir ao vinho tinto, recordo o coração que outrora tive, a galopar sempre que te via, recordo o sabor a tangerina que a tua boca emprestava à minha…

Meu grande amor, é inútil. Não te consigo catarsar. Vou continuar a definhar. Viver, jamais. Isso fica para os demais.

Li, pela pena do teu escritor preferido, que o sofrimento que se segue à perda de um amor, é proporcional ao amor que existia.

Percebes?

Descansa em paz.

domingo, 24 de outubro de 2010

Inês e o gato maltês.


Inês. Inês. Inês. Inês. Inês. Inês. Inês.

(E por aí fora)

Já tinha brancas quando me apaixonei por ti. E é assim, recém grisalho, que começo a nossa história…

Ainda ourado de um exorcismo mal curado, e eis que me entras pelos olhos dentro, num mergulho olímpico, com meia-dúzia de piruetas e entrada de chapa.
 Rei morto, rei posto…

Entraste em mim e, vai-se lá perceber os deuses, continuaste em mim. Descobriste-me todo.
 Melhor, escarrapachaste-me…

Conheceste os meus segredos e abriste a boca de espanto. Que exagero, não era para tanto…

Curiosa, subiste ao meu hipotálamo que, fala-barato, te contou , ao ouvido, todas a minhas fantasias…Voltaste a abrir a boca de espanto. Agora sim…era para tanto!

Desceste aos meus pulmões e tossiste muito…Deste meia volta e só voltaste a estacionar quando encontraste um ambiente mais rural. Mais limpo. O meu coração…

Daí não sais. Daí ninguém te tira.

Inês, agora a sério, tu sabes tudo de mim. Descobriste-me a careca que não tenho, mal trocámos o primeiro olhar. Já eu, demorei este mundo e o outro a dar-te um beijinho. Sete minutos.

Bastava um. Roubei-nos seis minutos. Roubar é feio. Desculpa.

Inês, que falas francês e que tens um gatinho maltês, o tempo é um dromedário, um otário.

 Não lhe ligues!

 Suga-lhe todas as milésimas de segundo que conseguires e foge. Corre com força.
Deixa-o na penúria, amor. Vamos ejacular vida à frente dele. Vamos pô-lo velho, com disfunção eréctil.

Eu “sobrevivi-lhe”. Mas ele fez-me a vida negra. Disse-me que esquecer alguém requer…tempo. E eu contei-o. Hoje, trinta e sete biliões e dezassete “ tic tacs” depois, aprendi que o tempo exige de volta tudo aquilo que dá. Durante o desmame, sofri na mesma medida em que amei…

Amor com desamor se paga.

Tranquila, Inês. Está exorcizado!

Fiz o parêntesis para que percebas quem sou. Estou fragmentado, é certo. Subdividido até. Há pedaços do meu eu que já não me pertencem. Ficaram noutras paragens.

Hei-de falar-te de mim com mais pormenor mais à frente. Vou falar-te da minha primeira namorada, que era baixinha e que, quando se empoleirava em mim, parecia uma macaquinha.
Mas em bonita. Em  muito bonita...

Hoje, já não é a mesma. Essa primeira namorada que tive, Inês, ficou sentada num banco da escola. Para mim, mesmo não tendo, ela ainda tem a madeixa amarela e um diâmetro de rabo grandinho.
Hei-de contar-te que ainda era um menino com quilómetros de cabelo quando chorei por essa menina se ir embora…

Tranquila, Inês…Isso ficou no século passado.

Depois, meses mais tarde, para não abusar da sorte, hei-de falar-te da última namorada que tive. Última não. A última vais ser tu.

Tinha um sorriso tão bonito, tão bonito que, até Deus, num intervalo entre “améns” e ” seja feita a Vossa vontade”, ficou corado a olhar para ela. Deixou de ser omnipresente e passou a estar presente só onde ela estava. Sim, Inês, isto não é boato. Por ela, Ele esquecia o celibato. Eu entendo-O.

(esta parte não te vou contar)

Tranquila, Inês.

É contigo que quero pintalgar e sarapintar a vida. Literalmente.

Havemos de vestir um fato-macaco de ganga coçada e colorir as paredes da nossa vida. Azul, amarelo, bordô, cor-de-laranja, violeta. Tu mandas, minha Julieta.

Faremos um intervalo sempre que se justificar. Justificar-se-á com frequência, tenho a certeza.
 Afinal, o hipotálamo pôs-te a par de tudo…

Há pouco disse que estava subdividido. E estou. Não estou é dividido.

Prometo-te que jamais serás um hiato. Houve vida e vidas atrás de ti. Ainda bem.

À tua frente, ninguém.

Não te iludas, porém. O meu amor por ti não é maduro. Não é estável. Não é tranquilo. Raios partam esses amorzinhos macrobióticos.

Inês, não tenhas medo. Eu e tu e chega.

Ou melhor. Eu, tu e mais três.

Ah…e o gato maltês!


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

TIAGO, DEUS E HEATHER

Como é que é, “pá”!?

É assim que gosto de te chamar. É gíria, por um triz não é vernáculo, não me importo.

Tu não és “fofa”, “môr”, cara-linda ou “flor”, sendo tudo isso. Tu és, “pá”, e está muito bem assim!

Espera tudo de mim. Tudo, menos um léxico mesquinho, que fala mal dos outros. Pelas costas.

Deus não me perdoa. Quer, à força toda, que acredite Nele . Decidiu, agora, passados 39 anos e treze dias, dar-me vida. E uma vida…

Agradecido, senhor Omnipotente. A idade não passa por si…

O cenário: Londres. As personagens: Eu e Tu. O narrador: Deus.

Heather, por nossa causa, Deus chorou. Já viste?

Não acho que sejamos feitos à imagem de Deus. Tu, sim. Na eventualidade de Ele existir, Ele fez-te.

Os teus pais são castos, está na cara. Foi Deus que te fez, pá.

Por isso chorou. Duas vezes.
Primeiro, chorou porque tu te apaixonaste por mim…Ele queria o melhor para ti. Um médico, sei lá.

Ele não queria acreditar quando nos viu com as mãos entrelaçadas. Passou-lhe pela cabeça tornar-se ateu. Agnóstico, vá lá, para não ser tão radical.

Mas Deus, louvado seja o Senhor, tem sentimentos. E um Deus também chora…

Ninguém nos resiste, Heather…

Não somos uma história de amor. Uma história de amor costuma ter um “the end”…Por isso, esquece!

O que nós temos não se rotula. Temo-nos um ao outro. É isso que temos.

Leicester Square, Santíssima Leicester Square que estás nas alturas, curvo-me perante ti. Hei-de percorrer-te de joelhos…Duas vezes. À chuva. Se for orvalho, melhor ainda.

Foi aí que vi a tua inglesíssima cara pela primeira vez. Mais inglesa era impossível, meu grande amor. Duas diferença apenas: Tu tinhas sal…e vinhas pela direita.

É impossível, eu sei. Ninguém se apaixona por ver alguém passar. Eu, sim.

Fui a Londres para me mentir. Ser mentiroso em Londres é mais chique.

Andava sozinho. Não como um cão. O meu olhar fazia mais beicinho …
Andava Triste. A garganta estava inflamada e o coração, outrora bichinho carpinteiro, dava ares de um padamão sem expressão.
Dava sinais vitais e pouco mais.

Mas tu sabes, Heather, no meio das centenas de omissões e das trinta mentiras com que me aldrabo, há sempre um bocadinho, muito pequenino, de verdade numa ou quatro.

Saí daqui, deste rectângulo que agora se escreve sem “C”, para te encontrar, sua agulha no palheiro…

Quando te vi, senti um “baque”.
 Tinha sido um paralelo, de vértices aguçados, que caíra do sétimo andar. Estava em obras. Caiu, de forma litúrgica , no meio de nós. Santificado seja…

A primeira palavra que te ouvi foi um “fuck”. Tão histérico, tão histérico, que deve ter acordado a Rainha!
Acalmei-te, num inglês de meia-tigela.

Disseste que não percebeste nada do que tinha dito, mas que tinham sido as palavras mais bonitas que alguma vez tinhas ouvido.
Fiquei na dúvida entre ficar lisonjeado ou não…

-Tiago.

-Heather.

-Nice to meet you, Heather!

-No, no. Not “Éder” .It´s Heather. You have to say the “H”.


À quinquagésima, lá acertei!

Fomos interrompidos pelo trabalhador, pedreiro ou carpinteiro, não sei, que, com as mãos como se estivesse a rezar, nos pedia desculpa...

Abracei-o, dei-lhe um beijo repenicado na testa e dei-lhe todas as libras que tinha. Ainda lhe disse Obrigado. Aliás, Muito Obrigado.

Riste-te com todos os dentes que tinhas. E tinhas todos…

Heather, rimas com vida. Por mais que digam que não…

Lembras-te da vontade que eu tinha de ir ao mercado de Portobello? Levantamo-nos cedo, saímos do Hotel, demos um beijinho e logo voltámos para de onde nunca deveríamos ter saído.
Fomos malabaristas, contorcionistas, berrámos interjeições e mudámos de posições.

Deus, que tudo vê, percebeu que aquilo não é pecado. É virtude…

Portobello fica para a próxima...

Heather, minha majestade, quero é estar contigo no quentinho, calçar-te os carapins nos teus pés pequenininhos e ouvir-te dizer, sonolenta, que gostas muito de mim. Isso chega-me.
Isso é tudo.

Quanto a Deus, agora, já somos amigos. Deu-me a tua mão e uns litros de água benta...

Chorou, claro, afinal és a menina Dele…

Heather, obrigado.

O Amor, essa fixação geográfica, na qual acabei de aterrar com pezinhos de lã, aceitou-me na terra dele. Seja bem-vindo quem vier por bem, disse-me...
Passei pela porta de embarque sem tirar as moedas do bolso, sem mostrar as malas e, vê lá a minha sorte, sem mostrar o passaporte. Disse-me, meiguinho, que terrorista, é todo o homem que nunca pensou desembarcar ali...Porque ali, nas chegadas, há sempre alguém à nossa espera…

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

...


Olá,

Escrevo-te antes de abalar.

Não quero que te inteires da angústia que sinto…

Antes de desenvolver a prosa, descontextualizo-a…Dentro da minha barriga há Rolls RoYces a competirem em espiral. Sinto mais do que um. Vruumm, Vruuumm, Vruuummm.

Custa-me engolir. Dói quando passa na garganta…
Não digo nada a ninguém! Às vezes, nem a mim!

Nestas alturas tenho inveja de ti e dos outros. Vocês, seus sortudos, têm isso de Deus. Ampara-vos, não é?

Sabes, sou tão ambíguo. Polissémico, como dirias, com o teu português mais que perfeito.
Quando te via rezar, ou quando me espantava por seres tão pouco crítica com o teu “Deus” de “dê” maiúsculo, sentia-me superior a ti. A Tua Santidade, ali, devia ser eu…

Não, desculpa, definitivamente não somos todos irmãos.
Graças a Deus!!

E “abrenúncia" para os vossos rituais…Jurei para nunca mais, quando aquela octogenária, na parte do beijo, me inundou a bochecha. Deixou lá um triângulo equilátero…De baba!
Deus me livre!

Ana, uma questão. Quando é que nasceu o teu Deus?

Outra.

Como?

É que, segundo dizem, Ele foi o criador…

Ana, isto não interessa para nada.
Se calhar deixaste-me por causa disto. Não por ser ateu.
Por dispersar…

Nunca mais soube nada de ti. Não sei se estás mais gorda, se já sabes as regras das rotundas, ou se ainda encorrilhas a cara quando tomas café…
(encorrilharás, com certeza.)
E sabes, gostava tanto de saber de ti.

Eu…cá ando. Nunca pior! Há dias maus e outros menos maus. Também os há tristes, muito tristes e tristíssimos. Não como a noite. Como eu.

Eu vou andando por aí. A fazer isto e aquilo. E isso… Haja saúde.
Escrevo-te hoje porque percebi que o amor, às vezes, não é a melhor coisa do mundo. Ele que me perdoe.

Sou um vulcão em “deserupção”…
O Miguel Esteves Cardoso tem razão. O amor é uma coisa. A vida é outra.

Com estes tríceps que Deus (?)me deu, puxei a nossa corda até onde pude. Acabei de cair para trás. Doem-me as costas, como aos adultos.
Dizem que se chama “bicos de papagaio”.

Ana ina ão, ficas tu eu não… Queria tanto que fosses comigo neste avião.

Está a levantar, agora. Tenho de apertar o cinto. O nariz já empinou e as asas abrem-se em câmara lenta. O avião sou eu…a suplicar o teu abraço.

Penso em coisas boas para ver se passa e lembro-me de uma vez em que, afinal, o teu português não foi assim tão perfeito. Com os nervos, disseste ao teu júri de mestrado que fulano ou sicrano “interviu”…

Ninguém reparou, amor.
Mas tu…Tu coraste, paraste, procuraste-me com o olhar no anfiteatro, respiraste fundo e rebobinaste…

O Amor estava ali.

E aí, a vida era uma coisa. E o Amor também era essa “coisa”.
Hoje, que o amor já não está ali, voo para longe. Não sei se para longe de Ti, porque não sei em que hemisfério estás…
As coordenadas, escolhi-as “ao calhas”, com desprezo, porque nada faz sentido quando é Vivido sozinho.




Cheguei de viagem. Confirmo muita coisa.

O meu mundo era uma migalha.

Na bagagem, que tinha de vir levezinha, trouxe o mundo...


Mais uma…

O primeiro amor tem tudo para ser o último. E tu, Ana, não foste o último.
Fica tranquila. Não sou presunçoso ao ponto de pensar que eu fui o teu.
Nem sequer o primeiro.

Sei bem que não fui a peça da tua vida…Não faz mal não ter sido o teu “Les Miserables”. Fica para a próxima.

No sítio onde estive, havia milhões como eu.

Iguaizinhos.

Não me interessa se liam a Bíblia, o Alcorão ou se cumpriam o Ramadão...
Por mais olhos em bico que tivessem, por mais pontos na testa que ostentassem, por mais véus que exibissem, ou por mais estranho que falassem, eram todos como eu.

E...andamos TODOS à procura do mesmo.

Ana, pseudónimo que te escolhi, prolonguei em demasia a ilusão de te voltar a ter. Ainda me custa a engolir quando te pronuncio. Passado todo este tempo…

Mas…

Vou continuar a viajar…

Não tarda e estarei de novo a beber na Taberna do Charles Dickens, volta e meia e volto a abraçar aquele rapaz, sem-abrigo, que, quando soube que era da terra dele, nem soube de que terra era…O abraço genuíno que me deu, cheirava mal, mas não faz mal. Faz bem.

Daqui a nada estarei outra vez à conversa com o Mustapha. Esse muçulmano, esse faquir, que não deita bombas …Aladino a voar em tapete de Arraiolos, deita antes foguetes quando lhe falo no rabiosque da mulher de Portugal.

E…

Porque o amor não se circunscreve a um sítio, a uma nacionalidade, a uma cultura, a uma cor, a uma religião…

Eu vou andando por aí…

À procura.

domingo, 1 de agosto de 2010

CATARINA



Bebias café sempre da mesma forma.
Agarravas a chávena com as duas mãos e sopravas antes de cada gole. Sopravas, não. Bufavas.
Fumavas os teus cigarrinhos fininhos e eu agradecia a um Deus em que não acredito por te ver fumar.
Fumar mata. Ver-te fumar matava-me.

Não olhavas para ninguém. Pagavas e ias à tua vida.

Eras a mulher mais bonita do Porto. Sem clichés, por favor. Tudo é discutível, bem sei.
Tu, não.
Confundias-te com a cidade.
Gémeas verdadeiras. Monozigóticas…Daquelas que vestem as mesmas roupas e têm, ambas, 37 sardas na bochecha direita.
Eras a personificação da Invicta…da parte boa e da parte má.

Sabes, Catarina, quando ganhei coragem para te pedir para te tirar uma fotografia, nunca pensei que aceitasses. Ficava contente com um “não”. Por mais seco que fosse. Podia até ser um “não” déspota. Uma reacção tua bastava-me. O meu amor-próprio não era prioridade.
Tu, sim. Vinhas da direita.

Quando disseste que sim, quis que tivesses dito não.
Engasguei-me.
Desejei ter morrido quando, para fazer conversa, recorri ao tempo. Esse desbloqueador de conversa da loja dos trezentos.

Enquanto fazia de meteorologista , pedia que me dessem um tiro na rótula. O meu sonho, naqueles segundos, era partir o metatarso. Ao menos saía dali.
Quando te falava de aguaceiros, de céus pouco nublados e de tufões nas zonas altas, riste-te para mim. Melhor, riste-te de mim.

Fizeste pose.
Foi a melhor forma de me mandares calar.
Com a mão na anca, diagonalizaste o teu tronco de Afrodite e, vaidosa, fizeste beicinho para a fotografia. Muito vaidosa, ressalvo.

Fiz parágrafo mas não devia. Faltava superlativizar o vaidosa. Tu eras impressionantemente vaidosa. E é impressionante…nunca eras fútil.

Convidaste-me para um café. Sim, tu convidaste-me.
Gaguejei. Engoli trinta e sete quilolitros de saliva…
A seguir ganhei coragem e disse-te que não.
Agradecia o convite, mas via-me forçado a recusar porque a cafeína fazia-me mal à hérnia.
Franziste o sobrolho…Não cedi.
Foi a tua vez de gaguejar… Mantive o ar sério e a tua auto-estima foi para as urtigas.
Por momentos pareceste-me humana.

Inverti a ordem dos factores. Fiquei por cima…
A seguir, aceitei…

Enquanto te ouvia, mostrava-te as minhas mãos vazias.
Com elas em concha, pedia-te, com os olhos, que gostasses de mim...

Sabes, tinha 34 anos e não me sentia assim há 34 anos e 4 meses. Era uma espécie de tranquilidade eufórica.
Lembro-me que só quando flutuava no líquido amniótico da minha mãezinha me tinha sentido assim…
Em paz e desassossego!

Tu desafiavas as probabilidades. Não tinhas um sorriso bonito, porque tu não tinhas um sorriso.
Tinhas infinitos. E ainda mais outro… Todos me causavam apneia.


Adormeceste a ouvir o que saía das cordas vocais do Percy Sledge, comigo ao volante.
Era noite e eu ziguezaguiava e calcava linhas contínuas para te poder olhar…
No rádio, o Percy, cantava, em "repeat",

When a man loves a woman
Can't keep his mind on nothing else
He'll trade the world
For the good thing he's found
If she's bad he can't see it
She can do no wrong
Turn his back on his best friend
If he put her down


E eu via-te dormir, Catarina Bailarina...

...

Não ouvíamos a mesma canção. Antes de te conhecer já o sabia…Partiste.
Foste à tua vida…

Eu fui e tu foste Si. Estávamos longe, separados por um hiato de agudos desafinados que nos zurziam os tímpanos…

Arrependes-te?

Eu, não…

No nosso portefólio, guardo tudo. Abraços num lençol encorrilhado, interjeições, feições, e o teu ventre…
Os teus seios suados a recuperar fôlego na minha pele, os meus lábios a gritar pelos teus, e o teu ventre…
Francisco se fosse menino, Inês se fosse menina.
E o teu ventre…

Vivemos tudo à pressa. Os nossos corações, enquanto bateram, foram galopes de um cavalo louco…

O há pouco quem, no depressa e bem, fomos nós, meu bem…

Só tivemos Presente, porque o Futuro não existe... é uma invenção de um engenheiro trapalhão…
O Futuro, sem ser tempo algum, é tempo que se perde no Presente.

Em nós, houve Hoje.

Arrependes-te?

Eu, não...

Saravá, Catarina…

quinta-feira, 10 de junho de 2010

POR ELA...



Era ele contra o mundo.

De peito feito, driblou o Oceano Índico, fez um túnel ao Canal da Mancha, aguentou a carga de ombro da Faixa de Gaza, uma finta de corpo às pirâmides de Gizé e, sem nada saber de Geometria descritiva, meteu-a bem no ângulo obtuso da Fontana di Trevi...Já está!
Agora é correr, transpirado, com os braços no ar, tirar a camisola nos jardins da Babilónia e abraçar a canalha, que corre atrás dele.

O mundo dizia não, ele dizia sim. Com uma basuca apontada ao bolbo raquidiano, lá poderia vir um "talvez". Um não, nunca.
O mundo dizia esquerda, ele ia para a direita. O mundo ralhava-lhe, e ele, maroto, dizia que tinha uma lateralidade mal resolvida, com Complexo de Édipo. O mundo coçava a cabeça, mostrava as linhas da testa e ia à vida dele. Se é que tinha uma.

Volta e meia, o mundo retinha-lhe na fonte os beijinhos que dava à amada. Quando eram de língua, tributava mais dezassete por cento.
Andavam sempre às turras. O mundo queria cinzento, ele aparecia-lhe com azul turquesa. O mundo dava-lhe uma folha de papel cavalinho A-3 para ele fazer uma linha. Ele fazia uma espiral.
"Ziguezaguiantíssima".

O mundo ia atrás dele, mas tinha asma. Nunca o apanhava. Ofegante,cheio de catarro, de mãos nos joelhos e com o indicador para trás e para a frente,o mundo, em desespero de causa, dizia-lhe que o caminho era uma seta de um só sentido. Ele, às gargalhadas, dizia-lhe que só não o mandava para aquela parte, porque isso era bom. Como segunda escolha, mandava-o para o raio que o parta. Que tem mais roupa e transpira menos.

Às vezes, muito raramente, era o Mundo que se ria dele. Um riso despovoado de molares e incisivos. Mas, verdade seja dita, isso não lhe roubava a auto-estima.

O gatuno, dessa vez, tinha-lhe roubado a cara-metade. A cara-metade não, parece-me uma hipérbole. Híper exagerada. Isso seria um insulto a metade da cara dela. Ela não merece que lhe adicionem treze centímetros ao nariz nem que lhe exturcam cinquenta por cento do sorriso. Ai o sorriso...Ai o sorriso. (não havia necessidade de repetir, é tique)

O larápio ganhou a batalha. Dez a zero. Capote.
Foi mais forte tacticamente, há que reconhecer. Apanhou-o com faringite e anulou-lhe as unidades.

Ele anda tristinho, anda por aí ao pé-coxinho, coitadinho. O mundo propõe-lhe armistício. Ele diz que isso não é propício...

É crente. Não em Deus. Nas palavras.
Mistura-as. Veste-as com roupa de domingo, põe-lhe uns suspensórios e borrifa-as com água-de-colónia, no pescoço e no pulso. Acha que é por aí.
Mas não, é por ali.
Esquece-se que só escreve quem vive, como alguém gentil lhe disse...

(faz-te à vida, pá.)

Pousa a pena. Resigna-se, o morcão.

Não, nada disso, falso alarme.
Recupera a pena.
Ao que parece, embora se veja mal daqui, está a friccionar-lhe o "corpo" e a expirar-lhe para o bico. Faltava-lhe carga.

Liga para o mundo. Está ocupado.

Volta a tentar. Está desligado.

Uma última vez. Bateria descarregada.


Corre. Corre como um desalmado. Fraldas por fora, cordões desapertados, tropeça. Levanta-se. Levanta-se não, ergue-se.
Desgrenhado, chega ao pé do mundo e, prosaicamente, diz para ele ir propor armistícios ao paizinho dele.

Diz-lhe que está vivo.

O mundo,igualmente fraldiqueiro, goza-o. Agredece-lhe o facto de ter atravessado rios e mares para lhe dizer que está vivo. Diz que um mail era suficiente.

Ele, de peito feito, como dantes, faz ver ao mundo que lamenta que ele não perceba metáforas...

O mundo coça a cabeça e pergunta-lhe o que são metáforas.

Ele ri-se. Diz ao mundo que, por Ela, vai ao fim do mundo.
Volta a dizer-lhe que está vivo...E que vai voltar a ter abraços.

Dela.

sábado, 15 de maio de 2010

VIAGEM



Estou de mapa na mão.

Enganei-me. O Evereste não é aqui. O monhé que acabei de conhecer, disse-me, num híndi perfeito, que nem sequer é perto. Pelo menos foi o que percebi. O senhor tinha um sotaque estranho, devia de ser de Bombaim, fechava as vogais à chave. Agradeci-lhe, no entanto.

Não há forma de me encontrar. Quando parti, tinha três sonhos e treze milhões e doze pesadelos. Planeei tudo. Detalhe por detalhe. Sou muito organizado. Não havia esquina do Chade, cabana dos Massai,ou boulevard do Sul da Nigéria que não conhecesse. O caminho ia ser fácil. Canja, mesmo. O Evereste era já ali. Depois da rotunda virava à esquerda, seguia em frente e pronto. Difícil, só se fosse estacionar.
Tranquilo da vida, portanto...

A viagem não é o que se diz dela. Tem um feitio que "Deus me livre". É preciso conhecê-la. Cheira bem e tem um óptimo par de pernas. Irrefutável.
Mas a forma como apazigua a libido é estranha. Sádica, mesmo. Gosta de adicionar curvas escorregadias depois de rectas inofensivas, que não têm onde cair mortas.
Fantasia com STOPs, sentidos proibídos e estradas com um só sentido.

Estou, agora, em algum lugar, no meio de Cartum. Não estou perdido, leitor. Quem me dera estar perdido. Quem está perdido sabe para onde quer ir.

Faço uma pausa para chorar. Chorar faz-me bem. Significa que o pior já passou.
Sigo caminhando...

Menti-me e vou pensar se me perdoo. Detesto mentiras, fui muito bem-educado.
Acabei agora de pensar. Não me perdoo e vou transmitir-me isso, não tarda. Amanhã, se calhar, por volta das 6.

A viagem, percebo agora, vive em união de facto com o tempo. Uma união inconstitucional entre dois aldrabões.

Soube-te de cor. Soubeste-me tão bem. Se eu soubesse...
Vezes houve em que fomos a palma e a mão. Vezes houve em que inventámos vida onde ela não existia. Parímo-la. Eu e Tu.
Sabes, ser daltónico é poético. Toda a gente devia ser daltónica. É ver cor-de-laranja onde todos dizem que é preto.
E como nós "cordelaranjávamos" bem, não achas? Claro que achas, não há carga subjectiva que "borrate" as cores da nossa serigrafia. Sejam elas quais forem.

Disse-Te adeus, perdoa-me. Foi um lapso de linguagem. Gramaticalmente sou zero.
Aldrabei-nos aos dois. Não me orgulho da minha capacidade de persuasão.

Imagino-Te a rir, agora. Com os teus dentinhos imperfeitos, sempre branquinhos. Ris-te com os olhos, que engraçado! Olhos, claramente verdes. Ou castanhos?

Lembro-me de Ti a chorar e morro. Paz à minha alma. Era tão bom rapaz.

Mesmo que agora não chores, eu lembro-me de Ti a chorar. Também choravas com os olhos.
Esse retrato faz finca pé e não vai embora. Faço com que se sinta a mais, mas ele não tem tacto. Faz-se de convidado e diz que passa a noite em mim.

Sei que a Geografia não é o teu forte, mas, agora estou numa viela de Dili. É noite. Estou com a mochila às costas e cheio de cieiro. Longe dos meus, procuro a bússola de mim mesmo. Perdi-a, patego como sou, devo tê-la deixado em Jacarta.
O meu ponto cardeal não é o Norte nem o Sul. És Tu.
Agora é tarde. Não há mais transportes para chegar a Ti. Estão em greve, ao que parece!

Gostava de Te escrever uma carta. Gostava de Te dizer que estando com biliões de pessoas, sinto a falta de uma. Gostava de te dizer que, sendo o mesmo, sou outro.
É confuso, não é? Vê só do que Te livraste!

Sigo o caminho. Continuo só. De vez em quando, um ou outro amigo de circunstância, que me ensina palavrões num dialecto do interior de Timor. Dá para desanuviar.

Tinhas alguma razão. Dizias-me que só ia acreditar em Deus quando precisasse Dele. Continuo a não acreditar, mas gostava, sabes... Acho que me ia fazer bem encontrá-Lo por aí.
Não. Não ia haver hossanas para ninguém, lamento. Muito menos trinta Pai Nossos cantados.
Acho que Ele também passava bem sem isso. Canto muito mal.

Teríamos uma conversa informal, de homem para Deus, beberíamos vinho. Eu branco, Ele tinto. A "páginas tantas", aconselhar-me-ia a nunca desistir daquilo pelo qual estamos dispostos a morrer.
Faria um esforço para não chorar, mas lembrava-me que Ele sabia que estava a fingir e desatava aos soluços...
Passaria, então, a ser apenas, ligeiramente ateu. Um ateuzito de trazer por casa, portanto.

Estou a fazer as malas, agora. Vai tudo amarrotado. Os pesadelos que trouxe são os mesmos que levo. A viagem não valeu o dinheiro que paguei por ela. Se era para sofrer, podia, ao menos, ter sofrido de graça, mas...

Fez-me bem falar com Deus...

domingo, 21 de março de 2010

ADEUS, SARAH!



Não “bulas”, está quietinho…

“Há males que vêm por bem” ou “Deus escreve direito por linhas tortas”…Podes escolher entre a “A” ou a “B”…

Ai é? Então escolho a “C”…Tenho dificuldade em acreditar Nele, quanto mais acreditar que é alfabetizado…

Tudo o que não quero é exorcizar-te de mim… acho as convulsões muito aborrecidas e não me parece bem estrebuchar e parir-te à frente de toda a gente! Fico com vergonha, com a cútis vermelha!

Tu ainda és o meu alelo, o meu “alelinho”! Ficas em mim, não tu, porque tu zarpaste de foguetão, mas o teu “tu” de outrora…Esse, lamento, mas tatuaste-mo na veia cava…não sai, nem a laser!

O tempo cura tudo, leitor?!

Não, não cura! O tempo não passa de um curandeiro “chupista”, um Pai-de-Santo oportunista, um falso sacerdote maoista…O tempo é um trafulha!

Desancorei “daqui” para te catarsar, Sarah…eu tinha de voltar a cheirar catinga, de ler, naquela livraria, o Mia, e, lamento se não entendes, mas precisava de olhar para aquele cais, igual a tantos outros, mas tinha de ser aquele…
"Lá", penso melhor, enquanto fumo, desalmadamente!
Acreditei no tempo…acreditei, inclusive, que ia desentrançar os fios do nosso tear. Falsíssimo, minha querida!
Fomos desentrelaçando as mãos aos poucos! Aos poucos não, aos muitos!
Gastámos as palavras, como diz o Eugénio...

Somos pretérito perfeito de um verbo irregular, há que assumir! … Gaguejo sempre que te conjugo! Conjugo-te mal, não estou habituado! O Futuro, esse, era suposto ser para nós…e não só para os dois…por mim, até podíamos ser sete… ou dezassete!
O Futuro, esse futuro, fez a trouxa e abalou, nunca mais ninguém soube nada dele…

“Lá”, no local onde atraquei, sussurram-me, aliás, balbuciaram-me muito baixinho para Te deixar ir…( foi a última vez que te pus uma maiúscula! Dá-me dez segundos para inspirar e expirar, por favor)
Percebi à primeira!
“Fomos para o maneta”, não eu e tu, nós…
“Lá”, percebi aquilo que já me deixava surdo “aqui”…E sim, sem teoremas, por favor. Foi mesmo preciso ir “lá”…

Sarah, que não és nada Sarah, estou novo…Catarsado de fresco, com a barba escanhoadinha, cuzinho de bebé!
Não vou “bulir” em nada! Continuo a responder “C”, vou sempre responder “C”, tu mereces…Mas repito, não “bulo” em nada, não faz sentido…

Não foi o tempo que me ajudou…O tempo não sabe nada, nem as horas…Fui eu que me “ajudou”…

As regras são minhas, agora. Só minhas! Hei-de ir ao Evereste, não para já, porque não tenho vontade! Não para já…mas hei-de lá ir e auto-propor-me subir a montanha mais alta do mundo! É provável que não o consiga, os meus bíceps são tão fraquinhos, coitadinhos! Mas vou…Os meus bracinhos podem não chegar lá acima, não chegarão com certeza, porque além de fracos, são aselhas, mas chegam para “ partir o focinho” ao meu “Adamastor” e chegar aonde tiver que chegar…O meu destino, mesmo para quem não acredita em destinos, é aí, nesse lugar…

Quanto a ti Sarah, serás sempre uma viajante da minha viagem! É incontornável este pleonasmo, não estejamos com Avé Marias cheias de graça! Sem graça nenhuma...
Não vais é ao meu lado...

Este fulano, finguelinhas, trinca-espinhas, ateu empedernido, em tempo algum o será com a vida… Nela creio e dela sou apóstolo…

Adeus, Sarah!

domingo, 14 de março de 2010

QUE FRIO...



Está frio…

Vou encolher-me todinho, para ver se passa….Não deve passar, e se passar, o calor nunca há-de ser tão amarelinho!

A minha dificuldade com as cores nunca me impediu de apreciar aquele amarelo. Amarelo passarinho! Mas daqueles que dormem na nossa mão enquanto lhes fazemos festinhas na moleirinha…O meu amarelo era mais ou menos assim! Dava vontade de adormecer, de fechar os olhos devagarinho e começar a ouvir a música lá longe…Eu tive um passarinho assim!

A metáfora é demasiado óbvia, não é? Nem sequer está muito bem conseguida…toca a mudar, como fazem os escritores…

Em tempos, a felicidade bateu-me à porta….PIOR AINDA! Estapafúrdio, descontextualizado, piroso e irreal, a felicidade não tem mãos, muito menos motricidade para a fechar, e com os “nozinhos” fazer, TRUZ TRUZ TRUZ…
Por caridade!!!!

Começa a contar a partir de agora, ok leitor?

Um, dois, dois e meia, trêêêsss….

Enquanto o Nick Cave canta para os solitários, estou escrevendo para ti, Pequenina…Usei o gerúndio, porque sim, não deixa de estar correcto…é estranho, lá isso é!

Usei o gerúndio porque tem acção…essa é que é a verdade, Pequenina! Sinto-me estranho. Não mal, estranho! Inerte, também…Dialogo comigo como se eu fosse outro! E o engraçado é que quando faço de outro, além de fazer parágrafo e colocar travessão, pareço mesmo outro!

Não vou ser fastidioso, embora o já tenha sido ao colocar esta “palavrona” perante a sua íris impecável…
Não lhe vou dizer que eu e ela éramos um… Não lhe digo isso porque estaria a mentir…eu e ela éramos dois, porque nem na poesia, um mais um é um!
Sou de letras, mas dou sempre um beijinho na cara à Matemática ( dois não...ela é "fina") quando a vejo…às vezes até fumamos um cigarrinho e cortamos na casaca das Ciências emergentes, essas parvalhonas!

Convido-o agora a voltar ao início do texto…( esteja à vontade para declinar. Diga que tem dentista.)

Estou com frio…e de forma metafórica ainda é pior! Aqui, no quentinho da minha cama, estou como um mendigo na rua, mas um mendigo, cuja manta, nem os pés lhe tapa…O meu colchão não é um cartão, é bem caro até, mas doem-me as costas…

Não se escandalize, leitor! Sei o que está a pensar, está na sua cara! Quer-me dizer, na cara, para não gozar com os pobres, não é? Quer-me dizer que eu sei lá o que é passar frio? Pois bem…esteja à vontade, tem razão! Chame-me burguês, democrata-cristão, parvalhão... não faz mal…Mas diga e continue aí, se faz favor! (o “se faz favor” é dito com olhos de carneirinho mal morto)

Estarás recordada (leitor, agora não estou a falar para si, vou falar para ela, ainda por cima de forma sentimental, seja discreto) do beijinho que demos, ao pé do D. Pedro V?
Não estava a nevar, não havia música de fundo, o cauteleiro gritava pelo treze que ia andar à roda e, se bem me lembro, um velho até expectorou…tudo normal, portanto!

Esse beijinho, que primeiro me negaste e depois não mais me largaste, não sabia a chicla de mentol, nem a sugo de tuti-frutti… do sabor, ao certo, confesso que não me recordo…O que sei, e me lembro, é que enquanto te beijei, viajei, pela primeira vez, de balão! Sim, pela primeira vez… é que “houveram” outras...um "ror" delas, aliás!!( não se diz houveram, é a pressa…mas agora vai assim, com pêlo no buço)

Um beijo, como aquele, normalíssimo, com lábios, língua, saliva e outra vez língua e outra vez lábios e saliva, pôs-me a boiar em ar alto…até desenhei um smile numa nuvenzita que me estava a fazer coceguinhas na ponta do nariz…

Voltando a si, leitor, garanto-lhe que isto aconteceu mesmo…boiei em ar alto, sim senhor, pena não ter tirado fotografias…

Agora estou com fantasmas a dançar chá-chá-chá nos olhos…não na parte castanha, na parte branca! A música está alta, não me deixa dormir e apetece-me chorar…É o que faço! Convém explicar que as lágrimas são acompanhadas, à viola, por soluços de catraio…Pode ser que a festa acabe e o soninho venha…é, pode ser!
O balão, esse, já era! Sobe, sobe balão sobe…O filho da mãe não sobe!

Falta-lhe qualquer coisa, não sei…Deve ser hélio! É, deve ser...

Agora, olhos nos olhos…mas uns "olhos nos olhos" meiguinho, sem rancores, quase, mas sem chorar, com o queixo a as maçãs do rosto a ter um sismo, (não um sisminho, um sismo mesmo) deixa-me dizer-Te o Ary…

Serei tudo o que disseres
por inveja ou negação
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disseres
, Pequenina…

POETA DESAPAIXONADO, NÃO!

Até qualquer dia, Pequenina...

domingo, 7 de março de 2010

"Eg elska þig, muito"



Falar não basta!

Falar é uma emissão de vocábulos, mesmo que as gramáticas o desmintam e com um ar paternal nos digam que é um processo ” incomensuravelmente” mais complicado… (a gramática ama, até à pontinha dos pés, palavras e definições “incomensuravelmente” complicadas e sente o coração a bater a trezentos e dezassete mil à hora quando cruza olhares com orações de treze complementos, quatro predicativos do sujeito e um vocativo que, bem vistas as coisas, não passa de uma interjeição…)

Falar é uma treta…é uma orquestração das cordas vocais com o conluio da língua e da boca…O coração, sujeito honesto e dado a emoções, fica de fora…porque “falar” tem hálito a sandes de fígado…

Em tempos, quando vivia no Michigan, por volta da década de 70, conheci uma mulher.

Peço desculpa pelo parágrafo!

Conhecer uma mulher, por si só, não vai prender o leitor à prosa…Boa estratégia para o “algemar” é reformular…vamos a isso, então

Em tempos, quando vivia no Michigan, por volta da década de 70, conheci uma Mulher.

Falava pelos cotovelos…não literalmente, é claro...mas falava, de facto, pelos cotovelos! Era bonita… sem ser deslumbrante! Era inteligente… sem ser brilhante! Era simpática, sem ser como eu, que ponho dois pacotes de açúcar, e um bocadinho do terceiro, em cada fonema sempre que digo “Bom dia”…

Essa mulher era estranha. Não é que fosse estranha por falta de perspectivismo cultural da minha parte. Era mesmo estranha.
Amei-a como um louco. Melhor, amei-a como um lúcido. Amei-a, prontos… (escusa de dizer que preciso de uma gramática, eu sei que não se diz “prontos”)
Se soubesse fazer amor com as palavras, juro que lhe punha à “frente da vista” um kamasutra de metáforas, em que os verbos agarrariam os substantivos pelas ancas e os adjectivos ficavam, deitadinhos, impávidos e serenos, à espera que os advérbios fizessem o "trabalhinho" todo…

Não sei “pintar” as palavras de cor-de-rosa! Não, não é por ser daltónico…Poder-lhe ia dizer leitor, por exemplo, frases do tipo…”Juro-te amor, um dia havemos de esventrar as calles de la habana num Cadillac antigo, só os dois! Ou, melhor ainda, “ Contigo, sempre contigo, porque ninguém ama como nós, e não me venham falar em descentração, porque ninguém ama MESMO como nós”, mas isso não era pintar as palavras de cor-de-rosa…isso era adorno! Vaidade literária daqueles que instrumentalizam uma “coisa” que vem, mas não devia vir, no dicionário…Ou nos livros. O Amor!
O Amor, como aquele que eu tive ,barra tenho, por essa Mulher, põe o dedo do meio em riste , diz palavras com caveiras e aplica "kekomis" nos abdominais de quem o quer "picotar" com caneta e papel.

Essa Mulher, como era do Michigan”, dizia-me com frequência “ babe, we have to talk, not just speak”… tirando o aparte do “babe”, que, confesso, nunca gostei, o que dizia fazia todo o sentido…

Essa mulher, perdão, Mulher, não sabia grande coisa de Shakespeare…para falar a verdade, não sabia nada do homem... possivelmente nunca terá ouvido falar da luta apaixonante dos aborígenes australianos, nem ouvido a “Martha” do Tom Waitts…e, no entanto, sabia muito mais do que eu... um déspota! Sim, um déspota ! É lamentável não poder substituir aquele “o” da segunda sílaba por um “u”…assentava-me melhor, ficava mais justinho ao corpo!

Eu só “falava” com ela! E o Amor, como aquele que tinha, barra tenho, por Ela, dava gritos mudos há meses para que eu parasse com “essa merda” …sim leitor, gritos mudos, que diziam para eu parar com “essa merda”! Quer que repita?

O meu amor por ela é mal-educado, não faz mal! Amor que é Amor, não passa dum “fedelho” de mochila às costas, contente da vida, que assobia sem razão e a quem é permitido dizer palavrões…mas daquela vez, o Amor foi bem mais maduro que eu.

Sinto tanto a falta dela…Eu quero lá saber que ela nunca tenha lido o “Hamlet”…

Disse, há mil e doze caracteres atrás, que o amor não devia vir nos livros…Mas estar a escrever para ti, Mulher do Michigan, faz-me bem! Alivia-me a tensão arterial!

Se eu fosse incoerente, voltava a dizer que ninguém ama como nós…que havemos, mesmo, de esventrar (ou estripar, já não me lembro) as calles de la Habana num Cadillac antigo…Apetece-me tanto dizer, môr..( môr é o equivalente a “babe”…é uma palavra com esquizofrenia catatónica, mas toda a gente a usa)

Mulher do Michigan, que falas mal inglês, Amo-te e tenho pena de ser assim!
Um lorpa, um “nerd” ( narde, como dirias) que não soube conduzir o nosso barquinho azul-clarinho até ao destino! Enjoaste, pois claro! Quando as ondas eram feias e más para nós, tinha sempre problemas na embraiagem.
Desculpa a minha iliteracia…não percebi que tinha de te pôr uma manta quentinha nas costas quando te abraçavas a ti, sozinha, a tremer e a tilintar os dentes…Nunca te soube ler, Amor… “Empancava” sempre no primeiro caso de leitura que aparecia!
As gramáticas que me desculpem, sou um “cachopo”. Foram um pretexto. A culpa dorme, escova os dentes e janta aqui! Ela mora em mim.

PS: Amo-te